Colocação na Sala dos Archeiros  DA SÉRIE DA VIDA DE TOBIAS
 de António Filipe Pimentel




A série de oito tábuas maneiristas representando a Vida de Tobias constitui um dos muitos tesouros que se guardam no Paço das Escolas. E, como quase tudo nesse extraordinário edifício, possui uma história que merece ser contada: e, sobretudo, que merece ser vista. Com efeito, têm a sua origem na respetiva oferta à Companhia de Jesus, em 1600, pelo bispo-conde D. Afonso de Castelo Branco- que procedera já, em 1598, à colocação da pedra fundamental da sua monumental igreja- prelado ilustre pela estirpe, cultura e ação mecenática (que em Coimbra deixaria tantos traços) e que chegaria a ocupar, durante a união dinástica, as funções de Vice-Rei. A razão da oferta radicaria no seu reconhecimento pela abnegada da atuação dos padres inacianos durante o violento surto pestífero que assolara Coimbra no ano anterior, cidade de que se considerava efetivo senhor, a um tempo no plano espiritual e no plano temporal.

Executadas, segundo Vìtor Serrão, por Mateus Coronado, artista castelhano ao seu serviço, a partir de gravuras de Dirk Volkerst, as tábuas ilustram, em oito passos cumulativos (com representações complementares em primeiro e segundo plano) e em leitura sequencial da esquerda para a direita, um trecho dos livros deuterocanónicos do Velho Testamento: a saga, na verdade pouco divulgada, da viagem do jovem hebreu Tobias, de Ninive até Ragès (a atual Shahr-e-Rey, no Irão) ocorrida, segundo a tradição, nos inícios do século VIII AC. A saber: A provação de Tobite; Tobias inicia a sua jornada na companhia de Azarias; A captura do peixe miraculoso; Tobias e Azarias alcançam a terra de Ecbátana; Tobias livra Sara do demónio; Esponsais de Tobias e Sara; Tobias empreende a viagem de regresso e Revelação da identidade do Arcanjo São Rafael.
O relato evangélico constitui uma metáfora da conquista, por intermédio da Fé, das virtudes da coragem, fraternidade, humildade, abstinência e castidade, pelo que a oferta à congregação dos apóstolos, como eram denominados os seguidores de Santo Inácio- em cuja igreja deveriam figurar em lugar destacado, protegidas por cortinas de tafetá, que o prelado igualmente ofertaria- funciona não somente como agradecimento pela sua exemplar atuação no contexto referido, mas como público testemunho da exemplar ilustração dessas virtudes por parte da milícia jesuítica, que o bispo objetivamente patrocinava. A integração das oito tábuas no Paço das Escolas, porém, decorre mediatamente da expulsão da companhia, em 1759 (com o correlativo encerramento da respetiva igreja) e, no plano imediato, da integração do Colégio de Jesus no património da Universidade, em 1772, com entrega do templo à diocese, com o fito de servir-lhe de nova catedral, como desde então sucederia.
Tudo indica, pois, que na sua incorporação terá tido um papel ativo o Reitor- Reformador D. Francisco de Lemos, que presidiria à implementação dessa medida administrativa (ao mesmo tempo que à reforma da Universidade, decorrente dos novos estatutos, outorgados nesse ano) e que atuava, em simultâneo, como vigário-geral e administrador da diocese.

No Paço, seriam as oito tábuas colocadas no coro alto da Real Capela, onde se conservariam até 2003, quando foram objeto de uma intervenção de limpeza e reabilitação. Assim, desanconselhada tecnicamente a sua recolocação in situ - sendo que nada, historicamente, vinculava uma fidelidade museográfica a essa situação - seria tomada a decisão de expô-las na Sala dos Archeiros, uma das dependências mais emblemáticas do palácio universitário, no quadro do objetivo de valorização do circuito turístico defiido pela Reitoria e com vista a possibilitar uma fruição eficaz do conjunto pictórico, inviável na anterior localização.




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