Segredos da luz e da matéria
Foi em dezembro de 2006 que o Museu da Ciência abriu as portas ao público. Muito antes de 2015 ser proclamado Ano Internacional da Luz pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a Luz foi o tema encontrado para reunir numa mesma exposição objetos oriundos das diversas coleções científicas da Universidade de Coimbra (UC), de áreas tão diversas como Física, Química, Astronomia, Zoologia, Botânica, Mineralogia. Segredos da Luz e da Matéria fala-nos da luz e da visão, da cor e dos pigmentos, do Sol e da luz solar, da interação da luz com a matéria. Nela encontramos, em diálogo, borboletas de cores vivas, pássaros de plumagem exuberante, pigmentos minerais, um modelo do sistema solar construído por George Adams, um dos mais importantes construtores de instrumentos científicos do Séc. XVIII; um espectroscópio de 1863 semelhante ao que Bunsen e Kirshoff utilizaram ao descobrirem a composição do Sol em 1860; uma radiografia de uma mão que é a primeira experiência com Raios X em Portugal por Henrique Teixeira de Bastos, apenas um mês após o anúncio da descoberta por Röntgen em 5 de janeiro de 1896; algumas das milhares de imagens do Sol recolhidas desde 1926 pelo espectroheliógrafo instalado no Observatório Astronómico da UC por Francisco Costa Lobo; a esfera de madeira que este professor concebeu para a transformação das coordenadas nos cálculos dos fenómenos solares como as manchas solares. Trata-se de uma pequena mas valiosa amostra do espólio científico que a UC tem à sua guarda e cujos primeiros objetos datam do Século das Luzes.
A primeira coleção a chegar terá sido transferida do Colégio dos Nobres em Lisboa, um projeto criado com o objetivo de ensinar ciência a nobres que entretanto falhara. Os instrumentos que tinham sido concebidos com a delicadeza e o encanto adequados a utilizadores de sangue azul acabaram por ser transferidos para Coimbra, dando origem ao magnífico Gabinete de Física Experimental, criado durante a reforma pombalina do Séc. XVIII e nomeado Sítio Histórico Europeu pela Sociedade Europeia de Física em 2014. Também a coleção de Astronomia, associada à atividade científica do Observatório Astronómico fundado no Séc. XVIII e que incidia no estudo da Astronomia e da Matemática para a Geografia e para a navegação recebeu instrumentos vindos do Colégio dos Nobres.
Já o Gabinete de História Natural, iniciado com a incorporação das coleções privadas de Domenico Vandelli e de Rollen Van Deck, foi fortemente enriquecido com as remessas que ao longo de anos foram enviadas do Brasil pelo naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, recolhidas no âmbito da sua Viagem Philosophica (1783-1792) à Amazónia. São muitas as personagens dos Séc. XVIII e XIX que se mostraram fundamentais para a construção e preservação deste tesouro científico e patrimonial. Mas foi preciso chegar ao Século XXI para que um convidado estrangeiro − Robert Bud, do Museu de Ciência de Londres − visitasse os Gabinetes Pombalinos de Coimbra e exclamasse: “Sinto que foi aqui que nasceu o Iluminismo!”, para que compreendêssemos que o Museu da Ciência da UC já tinha nascido no Séc. XVIII, na sequência de uma transformação radical das mentalidades em toda a Europa, abaladas que estavam pelo terrível terramoto de Lisboa e já preparadas para ouvir as palavras revolucionárias de Voltaire. Esta transformação viria a culminar com a revolução francesa poucos anos depois. Coimbra foi atacada e espoliada no início do Séc. XIX, mas, mesmo assim, a coleção continuou vasta e valiosa.
Boa parte da coleção do Século das Luzes conseguiu chegar intacta ao Séc. XXI. O Museu da Ciência é um projeto de grande fôlego da UC, que visa a preservação, a divulgação e o estudo deste valioso património do Iluminismo. Referências: [1] Paulo Gama Mota (coordenação). Museu da Ciência – Luz e Matéria. Catálogo de Exposição. Universidade de Coimbra. Coimbra, 2006. [2] Carlota Simões, Pedro Casaleiro e Paulo Gama Mota, O Museu da Ciência: uma coleção científica do Século das Luzes, História da Ciência na Universidade de Coimbra, 1772-1933, pp. 117-128, editores: Carlos Fiolhais, Carlota Simões e Décio Martins, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2013.
CARLOTA SIMÕES * Professora Auxiliar do Departamento de Matemática e diretora do Museu de Ciência da Universidade de Coimbra
Revista Rua Larga, edição 44
Comentários
Enviar um comentário