Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho nasceu a 10 de abril de
1871, em de Travanca da Feira, Aveiro. Ao ingressar, nos finais do século XIX,
como estudante da Universidade de Coimbra viria a distinguir-se não só como a primeira
estudante universitária em Portugal, mas também pelas suas ações em prol da
criação do primeiro Liceu feminino, pela participação em iniciativas de cariz feminista,
assim como, pelo seu percurso político: uma das três primeiras mulheres
deputadas do Estado Novo.
Após prestar provas
finais do curso dos liceus, com excelentes resultados, os seus professores e a
sua mãe insistiram que se candidatasse ao ensino superior. Viria a ingressar na
Universidade de Coimbra, em outubro de 1891, como a primeira mulher que
assistia regularmente às aulas. Porém, para que pudesse inscrever-se o Reitor
da altura, Dr. António dos Santos Viegas (1890-92), enviaria um ofício ao
Ministro da Instrução Pública e Belas Artes requerendo não só a permissão de
matrícula, mas também a dispensa do uso de traje académico argumentando que “Não
encontro na legislação académica disposição alguma que obste à matrícula de
alunos do sexo feminino, a não ser para a Faculdade de Teologia (…) tanto os
Estatutos como a legislação são omissos a tal respeito, certamente por se não
ter previsto a possibilidade de uma rapariga se habilitar para seguir as
carreiras científicas”[i].
Enquanto
aguardava autorização de matrícula pode assistir às aulas como ouvinte de modo
a não perder as primeiras lições e durante cinco anos foi a única mulher a
frequentar esta instituição. Enquanto aluna ficaria hospedada no Largo de São
João (que hoje não subsiste), depois numa casa no Marco da Feira, mais tarde
numa das casas do Arco dos Jardins e finalmente na Rua da Trindade (atual Rua
José Falcão).
Entre 1891 e
1904, formou-se em três cursos superiores: Matemática (1894), Filosofia (1895)
e Medicina (1904). Recebeu honras a quase todas as cadeiras, foi aluna distinta
a cadeiras como Botânica, Física, Zoologia, Matemática ou Química Orgânica e
foi galardoada com o Prémio Barão de Castelo de Paiva (1899 - 1900) e o Prémio
Alvarenga (1901- 1902).
Foi uma mulher
de grande sensibilidade humana, artística e pedagógica. Em 1904, seria
convidada, pela rainha D. Amélia, a trabalhar para a recém-criada na Associação
Nacional de Tuberculose. Exerceu a prática clínica no Centro Materno-Infantil e
compreendendo que muitos problemas de saúde das crianças resultavam de parcas
ou inexistentes cuidados maternos irá proferir conferências alertando para a necessidade
de educar as mulheres uma vez que “estas são elas são as primeiras educadoras e as melhores agentes
de mudança”.[ii]
Viria a lutar
pela criação do primeiro liceu feminino em Portugal – o Liceu D. Maria Pia
(1906) – onde não só foi a primeira professora de Matemática em Portugal, como
também a primeira Reitora (Diretora) no país. Como pedagoga acreditava que o
acesso das mulheres ao ensino permitia-lhes transformar a sociedade atenuando
as diferenças que separavam os homens das mulheres.
Em 1934,
integraria a Assembleia Nacional na I e II Legislaturas (de 1935 a 1942) onde lutaria,
entre outros assuntos, por incorporar no currículo liceal a disciplina de
Higiene e Puericultura e cujo Governo, no ano seguinte,“Institue cursos de higiene geral em todos os liceus e de puericultura, para as alunas, nos liceus femininos ou mixtos e demais escolas secundárias onde houver turmas exclusivamente femininas.”[iii]
Aos 95 anos de idade viria a falecer, em Lisboa,deixando como legado uma importante carreira médica, pedagógica,
política, humanista, feminista, de escritora e de poeta:
Coimbra
– Terra de Amores[iv]
Catedral dos meus sonhos, casto bem
Que sorris ao meu gosto alvoraçado
Com ternura boa em si tem
Toda a côr dum vitral iluminado!
Terra de amores! Assim te chama alguém,
E céu de tanto afecto enamorado,
Sempre nova e florida, como quem
Torna ao presente as horas do passado…
És sonho piedoso de quimera.
Junto de ti há sempre primavera,
Aligeira-se a dor quando aqui passa.
Em ti há sempre luz e riso e côr
Pois quando a sombra desce inda é maior
Mais luminoso o sol da tua graça.
de Germana Torres
[i] GOMES, J.F. Estudos para a História da Universidade de Coimbra. Coimbra. 1991: 41 – 43. A fonte original encontra-se no AUC Reitoria da Universidade. Correspondência. Ofícios (1890-1892). fls. 131v. – 132v.
[ii] MONTEIRO, N. (2009, fevereiro 10). A Associação de Propaganda Feminista e a primeira eleitora portuguesa. Ecos da Marofa, 6
[iii] Lei n. 1916 de 25 de maio de 1935. Diário do Governo n.º 119/1935 - I Série I. Lisboa: Ministério da Instrução Pública
[iv] CARVALHO, D. 1924. Terra de Amores. Coimbra: Coimbra Editora, Lda. 71 - 72
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