A Confraria de Nossa Senhora da Luz, 
a Real Capela e a Universidade de Coimbra



Breve apontamento

Começa em Lisboa, no século XV, a história da Confraria da Nossa Senhora da Luz, dos lentes e estudantes da Universidade. O responsável pela instituição da Confraria da Nossa Senhora da Luz é o Infante D. Henrique.

Com a transferência definitiva da Universidade para Coimbra, em 1537, e a decisão de que a Real Capela do Paço, sem perder nenhum dos seus privilégios reais, passe a desempenhar também o papel de Capela da Universidade, também a Confraria de Nossa Senhora da Luz é incorporada, como podemos ver nos estatutos universitários de 1559 e seguintes, nos quais se desenvolvem em pormenor as várias questões relacionadas com a Capela universitária, incluindo o regime da Confraria da Nossa Senhora da Luz.

Naqueles que são conhecidos como estatutos de D. Manuel I, podemos ler a dado momento: “Item ordenamos que todollos lentes & scolares mantenham a antiga confraria …”, para, nos Estatutos de 1591 clarificar: “Na Vniversidade auerá a confraria que sempre ouue dos lentes & estudantes, instituída pelo Iffante dõ Henrique mestre da ord~e & milícia de nosso senhor Iesu Christo, quãdodo os estudos estauão em Lisboa …“ [transcrição livre: “Ordenamos que todos os lentes e escolares mantenham a antiga confraria…” | “Na Universidade haverá a Confraria que sempre houve dos lentes e estudantes, instituída pelo Infante Dom Henrique, Mestre da Ordem e milícia de Nosso Senhor Jesus Cristo, quando os estudos estavam em Lisboa e será governada e servida por Mordomos e Escrivães…”]
A sua importância é tão significativa que, “em 1610 se obtém de Roma, entre outras graças espirituais, que o altar de Nossa Senhora da Luz, na Real Capela, fosse privilegiado, facto esse que atraiu muitos sacerdotes de fora, que nele desejavam celebrar” (Rodrigues, 1993: 153).
A Confraria da Nossa Senhora da Luz da Universidade tinha um regime muito particular e distinto das restantes confrarias medievais portuguesas: com os estatutos legalmente aprovados e incorporados nos Estatutos da Universidade, era tutelada por um conselho de deputados e conselheiros universitários, presidido pelo Reitor.
Constituía a Confraria um conjunto de quatro categorias de membros: Professores, Graduados, Estudantes e Empregados da Universidade, facto muito curioso, uma vez que desde época medieval se reúnem nesta Confraria, todos os elementos que compõem a comunidade universitária, incluindo os estudantes graduados.
De entre as suas funções, e para além de grande parte do serviço litúrgico, eram função da Confraria o auxílio na doença dos estudantes pobres, e o acompanhamento fúnebre de professores, estudantes e funcionários.

O modo de funcionamento e recolha de esmolas para apoiar o serviço prestado pela confraria aos seus confrades tem particularidades muito interessantes.
A Confraria manteve o seu pleno funcionamento até 1910, ao momento da implantação da República. Em 1934 retoma a Confraria de Nossa Senhora da Luz a sua atividade, na Capela da Universidade, sob forte impulso do Dr. António de Vasconcelos.
Novamente interrompida algum tempo depois, é por resolução do Senado Universitário, em novembro de 1960 (integrada nas comemorações do Infante D. Henrique) restaurada a Confraria de Nossa Senhora da Luz.

Curiosamente, na intervenção de reabilitação e restauro da Capela de São Miguel ocorrida em 2015, foi possível identificar nos trabalhos arqueológicos, um expressivo conjunto de candeias de cerâmica, ou luminárias, muitas delas inteiras, algumas mesmo sem marcas de uso, que são testemunho material desses momentos passados em que esta Real Capela e este Real Paço eram justamente iluminadas por candeias de cerâmica, câmaras de combustão cheias de azeite, incluindo um pavio ou torcida, (que eram incumbência da Confraria adquirir, como nos mostra a a relação de despesas da Confraria que se mantem no Arquivo da Universidade de Coimbra). É precisamente uma dessas candeias que hoje ilumina o altar de Nossa Senhora da Luz.
Compreende-se assim, talvez com maior clareza, o destaque dado a um dos altares laterais da Capela Real da Universidade, dedicado a Nossa Senhora da Luz, assinalado por uma belíssima escultura desta invocação, que foi custeada pela sobredita Confraria. Ainda hoje, séculos passados e a memória da Confraria dos Lentes e Estudantes por ventura um pouco desvanecida, a imagem se posiciona no mesmo local que ocupa desde finais do século XVI.
Muito apropriadamente o calendário litúrgico assinala a cada dia 2 de Fevereiro a invocação a Nossa Senhora da Luz ou Nossa Senhora das Candeias ou Candelária.
Muito apropriadamente a comunidade académica reunida na Real Capela da Universidade de Coimbra recorda e presta homenagem a este culto, que cumpriu ao longo de séculos tantas e
tão importantes funções de apoio e auxílio aos estudantes, professores e funcionários que em Coimbra estudaram, protegidos pelo manto e pela luz de Nossa Senhora.

Sónia Filipe | Dia de Nossa Senhora das Candeias de fevereiro de 2020

Bibliografia Consultada:
ESTATUTOS da Universidade de Coimbra (1653). Ed. fac-similada. Coimbra, 1985.
FILIPE, Sónia; ALMEIDA, Sara (2018) Relatório Final. Acompanhamento arqueológico da intervenção de Reabilitação da Cobertura e Altar-Mor da Capela de São Miguel. Reitoria da Universidade de Coimbra. Documento interno.
MESQUITA, Isabel (2008) (coordenação de Ana Maria Leitão Bandeira), Confraria de Nossa Senhora da Luz. Arquivo da Universidade de Coimbra. Acedido em: https://www.uc.pt/auc/fundos/ficheiros/UC_ConfrariaNossaSenhoraDaLuz
RODRIGUES, Manuel Augusto (1993), “A vida Religiosa na Universidade de Coimbra”, Revista da História das Ideias 15: Rituais e cerimónias, Instituto de História e Teoria das Ideias da FLUC. Pp. 147-160.
VASCONCELOS; António (1990), Real Capela da Universidade (alguns apontamentos e notas para a sua história), Arquivo da Universidade de Coimbra. Livraria Minerva.

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