Os 300 anos da Biblioteca Joanina 


A 17 de julho de 1717, pelas seis da tarde, na presença do reitor Nuno da Silva Telles (o segundo deste nome), foi colocada a primeira pedra da Casa da Livraria, a mesma que viria depois a ser conhecida por “Biblioteca Joanina”. Três meses antes, tinham já tido início os difíceis trabalhos de desaterro do local escolhido para implantar o edifício. Seguir-se-ia a construção de um telheiro no pátio da Universidade, para servir de apoio às diferentes fases da obra. Ao pátio haveriam de chegar os carros de bois carregados de pedra e de madeiras, quase todas recolhidas nos arredores de Coimbra. Tudo acontecia na sequência de um pedido do mesmo reitor dirigido ao rei, um ano antes, para que a Universidade fosse dotada de uma biblioteca adequada e digna. Depois de iniciada, a obra decorreu sem interrupções nem percalços de maior. De tal forma que, no início de 1728, o edifício era dado por concluído. A Universidade passava assim a dispor de uma biblioteca esplendorosa, que vinha substituir, com evidente vantagem, as diferentes casas que, em Lisboa e em Coimbra, tinham servido, sempre precariamente, para acomodar os livros usados por mestres e escolares. Ao longo de 300 anos, o edifício em causa viria a ser objeto de pequenas transformações exteriores e interiores que não lhe afetaram a traça nem a função. Em 1962, quando o edifício novo abriu ao público, a Biblioteca Joanina deixou de ser frequentada por leitores regulares. Só em ocasiões especiais se abriam as portas para receber visitantes ilustres como chefes de Estado ou personalidades do mundo da Ciência, das Artes ou da Cultura. Mais recentemente (há cerca de 25 anos), a Biblioteca viria a ser aberta aos turistas. Num primeiro momento, ficou apenas disponível o piso nobre; depois, os visitantes passaram a ter também acesso aos outros dois pisos: o intermédio e o térreo, o mesmo onde, por algum tempo, funcionou o cárcere académico. Hoje são em grande número as pessoas que procuram aquele espaço, integrado no circuito turístico da Universidade. Muitos são estrangeiros e, mesmo quando estão prevenidos para o que vão encontrar, não deixam de se surpreender quando transpõem a pequena porta que dá acesso ao piso principal. Não esperam, de todo, encontrar em Portugal uma celebração tão exaltante do livro e do conhecimento. Ficam particularmente surpreendidos quando lhes dizem que os volumes que se guardam naquele espaço (cerca de 60 mil, todos editados até ao ano de 1800) ainda hoje são objeto de procura regular. A Biblioteca Joanina é da Universidade que a reclamou e a construiu. Mas é também de Coimbra e do país inteiro. Na medida em que enaltece a curiosidade do ser humano, pode dizer-se que é de todos os que nela encontram motivo para fascínio e orgulho. Este ano vão assinalar-se os 300 anos da construção daquele que é um dos mais extraordinários edifícios jamais construí- dos em solo português. Na medida das suas possibilidades, a Biblioteca Geral da Universidade, que integra também o edifício da Joanina, tudo fará para chamar a atenção do país para a importância de que aquele espaço se reveste. Quase não é necessário insistir na beleza e no valor patrimonial daquela que já por várias vezes tem sido apontada por organismos nacionais e internacionais como a “Biblioteca mais bela do mundo”. A importância da velha Casa da Livraria, porém, não reside apenas no seu aparato. A observação atenta dos muitos sinais que nela se encontram patentes, desde as inscrições latinas até à decoração dos tetos, remete-nos para uma conceção de universidade assente numa soma transformada de saberes e não apenas numa adição inorgânica de faculdades. Acima de tudo, as mensagens da Joanina apontam para a importância insubstituível do Livro, enquanto veículo de conhecimento e instrumento central da emancipação humana. Estávamos então no tempo das Bibliotecas, e não admira que várias outras tenham surgido ao mesmo tempo por toda a Europa, ligadas ou não a universidades. Ainda assim, poucas são aquelas que assinalam uma mensagem tão forte e tão clara, fazendo, em simultâneo, a apologia da Beleza e da Razão. 


JOSÉ AUGUSTO CARDOSO BERNARDES , Diretor da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra 

Revista Rua Larga, edição 48

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